domingo, 25 de novembro de 2018

"Andarilho de bandeira branca"

"Você resgata um tipo de trato brincalhão e carinhoso que as pessoas foram perdendo com o tempo. Hoje, elas ficam ou brigando umas com as outras por causa de política ou então, cada uma na sua, na frente da tela do smartfone”. Essas foram às palavras de um senhor de classe média, logo apos assistir minha performance espontânea, na frente do “Boteco” do Djalma, em Campos do Jordão, uma semana depois das últimas eleições presidenciais. Essa apresentação foi bem especial e contou com a trilha sonora dos meus amigos Elayne e Matheus que estavam executando o som ao vivo dentro do boteco e com os quais sempre acabo tocando pandeiro, acompanhando o seu repertório de forró.

Como bom “Mímico andarilho”, desde criança já gostava de sair andando sozinho pelas ruas, atravessando bairros, descobrindo lugares e pessoas diferentes.
Relato aqui a experiência que tive nos dias anteriores as eleições, em São José dos Campos, cidade onde eu moro.

No Sábado, na semana anterior das eleições, fui realizar uma apresentação do meu espetáculo “As Peripécias do Mímico Andarilho” pelo projeto "Circulacão", da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, na praça Afonso Pena, no centro da cidade. Estava preparado, como de costume, para incorporar qualquer tipo de imprevisto à história, que fui adaptando ao longo dos anos. Dessa vez “o fato” foi à segunda manifestação das mulheres que reivindicavam o "ele não", na época. Entre uma galerinha de gente jovem estavam alguns amigos meus da minha faixa etária.

O responsável da minha atividade perante a Fundação pediu para me afastar do grupo e ficar interagindo livremente com as pessoas, como o faço quando vou espontaneamente para as ruas, num outro canto da praça, onde acontece uma feira de artesanato, já que não podia ser associada à manifestação à instituição. Os artesãos adoraram a Idéia. Eu pude observar o grupo de manifestantes ao longe, do lado de fora.

Vi cinco bandeiras vermelhas que vieram envolver o grupo. Ouvi deles um tipo de discurso antigo, panfletário. Senti a rejeição dos populares que passavam pelo local em apoio ao outro candidato. Para mim ficou bem claro, apesar de não concordar nenhum pouco com as opiniões e as propostas do novo presidente, que a solução não está no confronto e sim no dialogo.

No Sábado posterior, um dia antes das eleições, rolou uma manifestação da mesma natureza numa outra praça do centro chamada "Do Sapo", esta, organizada por jovens militantes de esquerda junto aos artistas locais e, da qual, fui convidado a atuar como representante dos artistas de rua da cidade.

Cheguei no local na hora marcada e vi alguns grupos partidários. A cor tinha mudado do vermelho para o roxo, mas, eu senti o mesmo tom "abanderado" da outra vez. Quando o discurso passa a ser dogmático até a cor verde e amarela perde o sentido.

Vendo tudo aquilo, dei meia volta em sinal de retirada, mas, acabei voltando para praça.

Estacionei minha bicicleta do lado da fonte onde quatro sapos ficam cuspindo água pela boca, me caracterizei ai mesmo na frente do público e hasteei minha bandeira Branca da paz e do dialogo, amarrando-a ao guidão da magrela.

Percebi que o grupo de manifestantes era bem heterogêneo, inclusive, havendo várias famílias no encontro. Interagi no meio da moçada como o faço de costume na rua. Com movimentos rápidos fiz de conta que ia mergulhar na fonte dos Sapos. Depois peguei a garrafinha da bicicleta e brinquei, jogando pingos de água nas pessoas em volta. Uma menininha de dois anos de idade aceitou minha água para beber e a gente descobriu que ela estava realmente com sede; a toda hora vinha pedir mais água. Peguei meu mini banquinho na bike e fui sentar do lado da galera que assistia ao show de rock que rolava num palco improvisado. Depois levantei e fui para o outro lado da fonte. Apareceu um menino de uns sete anos de idade que me fez correr várias vezes detrás dele pela praça toda até juntos cansarmos e perdermos o medo. Na seqüência apresentei um número de mímica interativo onde as pessoas pulavam uma corda imaginária ao som de rock. No fim toquei chorinhos na minha flauta transversal para os vários grupos espalhados no local.

Voltei para casa vestindo o personagem, pedalando minha bicicleta por ruas e avenidas, atravessando bairros. A trilha sonora do percurso, executada desde minha caixinha de som pressa à cintura, foi do maravilhoso jazz chapliniano do músico belga Django Reinhardt.

Empolgados, os transeuntes partidários do atual presidente eleito, gritavam palavras de ordem para mim, mas, sem a mínima agressão, já que tratava-se da figura de um palhaço de bandeira branca.

"Chegando em casa". Foto tirada de um celular por Karol Reis
Link do som do Jazzista Django Reinhardt https://www.youtube.com/watch?v=3WHQ0twHQgo