sábado, 17 de dezembro de 2022

Ciclo e Reciclo com o Mímico Andarilho

 

Foi no isolamento da pandemia que surgiu a ideia, quando observava pelas grades do portão de casa gente de todo tipo vindo a pé, de bicicleta, de moto ou até de carro popular com bancos detrás arrancados, catar o “lixo reciclável” da minha rua para ser vendido em algum ferro velho próximo.

Quando vi publicado um edital de audiovisual do fundo municipal de São José dos Campos com orçamento bem baixo senti que era uma boa oportunidade de realizar o projeto de produção de vídeo documentário, já que a concorrência seria menor. Consegui uma parceria com a escola municipal de ensino fundamental onde estudou meu filho e apoio de profissionais que encararam o desafio mesmo ganhando pouco e me inscrevi. Depois comecei frequentar a oficina de fotografia do Gustavo Fataki na casa de cultura “Eugênia da Silva”, no Novo Horizonte, que fica num bairro bem distante do meu.

Com o “Ciclo e Reciclo com o Mímico Andarilho” passamos em primeiro lugar no edital. Agora ia poder comprar a minha primeira câmera de entrada.

Tudo foi difícil. Primeiro à compra da câmera, que devia ser em parcelas a serem pagas com meus recebimentos mensais pelas minhas funções no projeto. Contei com a generosidade do Gustavo que se dispôs a me dar “assessoria técnica”, indo comigo nos lugares fazer os testes necessários, tratando-se de um produto usado e do qual eu tinha total desconhecimento.  Com câmera em mãos agora devia achar um parceiro que me auxilia-se. Lembrei-me de Fernando Carvalho, que uns oito anos atrás tinha fotografado minhas interações espontâneas na rua. Ele topou a proposta. O seu conhecimento de elementos de fotografia ajudaram bastante nas escolhas, tipo a compra do cartão de memória, a melhor lente a ser usada, etc. Optamos por filmar com uma só câmera, em mãos, com microfone externo plugado à mesma.

O roteiro do vídeo foi tomando forma no percurso. Tínhamos um esboço que incluía o processo do material reciclável por inteiro, mas esbarramos com pessoas que tiram o seu sustento do ato de catar, então focamos mais neles.

Entrevistar os catadores de rua é complicado já que não dá para querer marcar um horário e local determinado. Como eles vivem o dia a dia, tem que ser feito de forma espontânea, na hora. Sendo assim, até entender o funcionamento levamos vários canos por diversos imprevistos. Isso, além das complicações com a chuva ou com sol em excesso, já que a maioria das imagens foi externa.

Da metade para frente do processo saí sozinho de bicicleta pelas ruas registrando imagens, às vezes com uma mão no guidão e a outra segurando a câmera. Desse jeito achei no bairro Vila Maria à Lucia, catadora à qual entrevistei. Noutro dia sai de noite flagrando cenas da cidade e do cotidiano dos catadores. Filmei o trânsito em horário de pico e à multidão de pessoas no calçadão do centro, aos sábados, assim como peguei imagens de catadores que moram nas ruas. Entrevistei Seu José, meu vizinho que construiu um pomar que é frequentado pelas pessoas que moram nos prédios que ficam enfrente á APP - Área de Preservação Permanente - situada no bairro onde moro. Achei até a plaquinha que fecha nossa história, colocada por algum vizinho local onde está escrito “Repense – Re use – Recicle”...

Finalmente veio a parte mais trabalhosa, que é a da edição. É ali onde a gente constrói à história. Portanto, para facilitar, a minha primeira tarefa foi separar as imagens em casa, classificando-as em pastinhas de acordo com as cenas. Depois, a segunda tarefa foi a de decupar as imagens, anotando o trecho do registro que íamos utilizar, além da ordem, da criação do texto quando foi preciso, da música, etc.

A edição do vídeo foi realizada Junto ao meu amigo André Pontes no estúdio dele, num processo que demorou longas jornadas de trabalho, onde, além de tentar reduzir ao máximo os estouros de luz de registros feitos por dois iniciantes na arte de filmar, criamos a trilha sonora, tudo feito de forma artesanal.  À ideia era que á música tornasse à história pulsante, como forma de manter a atenção do nosso público alvo que são às crianças e adolescentes, alunos de escolas da rede pública de ensino da cidade.

De acordo com o André, à música é que dá o tom.

“Pega uma cena de drama de cinema, por exemplo, e tira á musica de fundo; ela vai perder o sentido”.




Link do Vídeo Documentário na íntegra no Youtube:

https://youtu.be/lfP4r55m4uI

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Teatro Popular de Rua, “Arte do Improviso”.

 

Diálogo:

- Ensaiou Mestra Ceiça?

- Pensei na história, o que não deixa de ser um “ensaio”...

Ensinamentos de cultura nordestina. Teatro popular, arte do improviso, no melhor sentido da palavra.

A proposta é “Jogar” com o que há, desde o espaço físico onde vai ser apresentada a história até às circunstâncias dadas.

Cria-se o que não se possui, o que de certa forma é objeto de nossa ansiedade e de nossa esperança, o que magicamente permite nos evadir da dura realidade cotidiana. “É nisso que a arte se parece ao sonho”. (Ernesto Sábato).

O jogo: “uma atividade sem objetivos conscientes, um estado de disponibilidade que escapa a toda intenção utilitária, livre e sem regras (...) um estado de ruptura do ser individual ou social, no qual o único que não se questiona é a arte”.

(Texto extraído de matéria “O teatro de rua é teatro popular?”, de André Carreira Universidade do Estado de Fortalecendo a autoestima: Santa Catarina).

Apresentando tanto em comunidades carentes, como em “casas do idoso”, em centros culturais, escola, ou em salas de espetáculos, sempre acaba prevalecendo à linguagem do espontâneo, da interação, do teatro de rua.

A conclusão é que quando a pessoa se sente ouvida e consegue interagir com as atividades que lhe são apresentadas a sua autoestima fica fortalecida, o que a ajuda a sentir-se integrada ao grupo social ao qual pertence. Nisso, tanto à obra quanto o artista passam a ser um meio...

“Uma obra de arte é boa quando nasce da necessidade”.(João Maria Rilke em “Cartas a um jovem poeta”.).


 Apresentação em Bairro Lagoa Azul II, Jacareí SP - 19-06-2022

                                                   Apresentação Bairro Lagoa Azul II -  pela FC Jacareí (19/06)

/Link vídeo "Sarau Poético Musical" em Casa do Idoso Sul - em São José dos Campos https://fb.watch/dZUOxDrJ9Q/

 https://www.facebook.com/MimicoAndarilho

                                                             

sábado, 14 de maio de 2022

Paraíba “Rio Bonito”

 

"Sempre pensara em ir
caminho do mar.
Para os bichos e rios
nascer já é caminhar.
Eu não sei o que os rios
têm de homem do mar;
sei que se sente o mesmo
e exigente chamar..."

(Trecho do Poema “O Rio” de João Cabral do Melo Neto)

No poema acima, o autor fala de rio situado na região Nordeste. Claudio Luiz, no seu espetáculo, “Paraíba, Rio Bonito”, faz referência ao nosso rio, o Paraíba do Sul, que surge da confluência do rio Paraitinga com o rio Paraibuna e aqui atravessa à zona norte da cidade de São José dos Campos.

O espetáculo é muito inspirador e foi criado com à maior dificuldade, com certeza recebendo a força de Nossa Senhora Aparecida, à qual traz estampada no fundo do chapéu “Itajiba”, o personagem da peça. Cláudio acabou incorporando à hecatombe que aconteceu na sua vida, quando teve que tratar de um câncer agressivo que atingiu sua garganta e glândulas, mudando sua aparência rotundamente. Na peça, ele encarna um senhorzinho caipira que vem falar sobre preservação do meio ambiente para o público, tomando como exemplo o rio Paraíba, valorizando as histórias contadas pelos mais velhos, o tempo da roça e a cultura popular. Como apoio ele traz para cena “Itororó”, seu boneco “burrinha”, com a qual  conversa de forma carinhosa, como se fosse um animalzinho de estimação.

O trato “humano” entre as pessoas, o cuidado como o rio e com a natureza em geral, a reciclagem do lixo, à importância de se preservar a mata nativa e as nascentes, que ainda resistem em várias regiões da cidade, etc.

Achei em Cláudio Luiz um companheiro de batalha. Mais um errante andarilho sonhador...

"Sou viajante calado,
para ouvir histórias bom,
a quem podeis falar
sem que eu tente me interpor;
junto de quem podeis
pensar alto, falar só.
Sempre em qualquer viagem
o rio é o companheiro melhor..."

(Trecho do mesmo poema do começo)

 

                                                            Foto de Paulo Amaral
 


domingo, 24 de abril de 2022

Relembrando bons momentos...

Quando olho para mim não me percebo. 

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio ás vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.


O ar que respiro, este licor que bebo,

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo


Nem nunca, propriamente reparei,

Se na verdade sinto o que sinto. Eu

Serei tal qual pareço em mim? Serei


Tal qual me julgo verdadeiramente?

Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,

Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


(Poesia de "Alvaro de Campos" - Fernando Pessoa).


No finzinho da Pandemia, após dois anos de ausência, volto para Campos do Jordão para retomar o trabalho nas ruas. Ainda em período de transição, encontro vinte por cento das pessoas de máscara. Com certeza vários deles devem ter perdido algum conhecido o ente querido para o vírus. O lugar mudou muito e reflete claramente o Brasil de hoje, muita gente desempregada correndo atrás do pão de cada dia vendendo qualquer coisa para o público turista. Pessoas pobres de excursão de um dia indo gastar um pouquinho do pouco dinheiro que ganham para ficar andando sem sentido tirando fotos de tudo o que acham pelo caminho. Pessoas de classe média e classe média alta aglomeradas dentro de bares e restaurantes onde predomina o barulho e o álcool. Me pergunto, o que é que estou fazendo ali se sei que o meu trabalho não funciona na multidão?

Fiquei preso ao passado e a mim mesmo, cheio das boas lembranças do que outrora foi e hoje  não é mais...

O que me restou do final de semana? Dores no corpo e a certeza de ter entregue o meu carinho para várias pessoas, especialmente crianças, que levaram consigo um sorriso no coração...


                                                         Campos do Jordão, 2012.





terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Através do olhar...

 Foi no Sábado, 19 de fevereiro, no belo Parque Vicentina Aranha, em São José dos Campos - SP.

Chamado via Fundação Cultural Cassiano Ricardo para receber ao público que ia assistir uma exibição de Cinema ao ar Livre. Voltando a me apresentar no meio do povo com a ilusão de que ia ser fácil, começo a brincadeira simplesmente olhando para as crianças num jogo de odalisca, utilizando a toalha da maquiagem como se fosse um véu. O que era para ser engraçado logo se torna monótono. Chegar perto das pessoas para interagir sem a expressão facial devido ao uso da máscara deixa a gestualidade limitada.

A verdade é que estamos castigados, voltando aos poucos de um campo de batalha. Se o objetivo é ser espelho, então, encarno o palhaço em final de pandemia. Não adianta querer apressar o tempo. Melhor deixar acalmar os ânimos e dissipar as dores e incertezas.

As conversas com as pessoas da plateia, quebrando o protocolo, me tiram do meu lugar de “artista” para entender o  sentimento coletivo.

De noite, assisto ao espetáculo de uns colegas e, no debate final, ouço deles apreciações similares à minha sobre a dificuldade com o uso da máscara, entre outras coisas.

Voltados para si mesmos com a necessidade de extravasar. Aparentemente estamos desse jeito, procurando novas formas de nos expressar e comunicar. No meu caso, estou direcionando meu trabalho como “Mímico Andarilho”, unindo à literatura -através da crônica -, o teatro - através da apresentação de espetáculo – e o audiovisual – através do vídeo documentário.


Link Site Parque Vicentina Aranha: /www.pqvicentinaaranha.org.br

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Revendo Hans Staden


Depois de quatro meses ausente desse blog, tomo como referência “As aventuras de Hans Staden”, de Monteiro Lobato, para falar de como sinto o momento atual.

Trechos de história narrada por Dona Benta a Narizinho e Pedrinho:

- Os conquistadores do Novo Mundo, tanto os portugueses como os espanhóis, eram mais ferozes que os próprios selvagens. Um sentimento só os guiava: a cobiça, a ganância, a sede de enriquecer, e para o conseguirem não vacilaram em destruir nações inteiras, como os astecas no México ou os incas no Peru, povos cuja civilização já era bem adiantada.

- O direito dos portugueses era o direito do mais forte. Os índios deixaram-se vencer e desse modo perderam a terra que até então haviam possuído.

- A história da humanidade é uma pirataria que não tem fim. O mais forte, sempre que pode, depreda o mais fraco.

- “A fabula do lobo e o cordeiro” (falou Pedrinho).

Até hoje no Brasil continua acontecendo esse fenômeno. Queimadas, desmatamento, assassinato de indígenas e de militantes ambientalistas. Tudo pela lei da ganância em detrimento da natureza. Assim acontecem as drásticas mudanças climáticas, as catástrofes naturais e as pandemias ou “sindemias”, já que a falta de planejamento demográfico das cidades favorece as aglomerações das pessoas mais pobres, que muitas vezes tem que conviver com a falta de saneamento básico, além da fome.

O livro de Monteiro Lobato mostra como Hans Staden se aproveita do respeito e temor às divindades da natureza por parte dos indígenas para conseguir sobreviver sem ser devorado pelos Tupinambás..

Hans concentrou-se e pediu a Deus nesses termos: - “Ó tu, Deus onipotente, que auxilias os que te imploram, mostra tua força a estes pagãos, por forma que eu sabia que estás comigo e eles vejam que me ouviste”.

Cada selvagem possuía o seu maracá e o acomodava numa cabana especial, onde lhe dava de comer e o consultava sobre tudo.

Os franceses vinham todos os anos trazer-lhes facas, machados, espelhos, pentes e tesouras, levando em troca pau-brasil, algodão, penas e pimenta.

Os dois anos sem ir “brincar” na rua me fizeram migrar para os editais. Encontrei no audiovisual uma forma de poder exercer tanto a escrita como a atuação e a experimentação da sonoplastia. Além do mais, o vídeo documentário casa perfeitamente com a arte de rua no sentido de se dar com a realidade do cotidiano, do inesperado. A gente vai criando com as imagens que vai colhendo no decorrer do processo.

Com o Projeto da minha autoria “A Arte da Palhaçaria”, financiado pelo Edital Festivais e Mostras 2021, do Fundo Municipal de Cultura da cidade, que contou com a equipe profissional da produtora Oversonic Music, acabei virando entrevistador dos meus colegas de trabalho para desvendar a origem do palhaço de cada um e o poder de transformação que ele exerceu nas suas vidas.

O meu espetáculo “Milongas Sentimentais”, que explora elementos da cultura popular latino-americana e suas raízes africana, indígena e europeia, teve sua primeira crítica no último Festivale - Festival de Teatro da cidade de São José dos Campos - numa apresentação híbrida, sendo a primeira com público desde o começo da pandemia.

Estou com apresentações presenciais dos  meus espetáculos marcadas para este mês de Janeiro, em que o avanço de uma variante da Covid 19 junto com o brotar de um novo tipo de gripe nos deixa com uma certa sensação de angústia provocada pela dúvida e a incerteza, assim como devia sentir-se na época o alemão Hans Staden.

Perto de Hans estava um menino a roer uma canela do maracajá. Esse espetáculo horrorizava ao alemão, que mandou o pequeno a deitar fora daquilo. O menino não fez caso e continuou a roer o osso...




Link de Página de Projeto “A Arte da Palhaçaria”:

https://www.facebook.com/Projeto-A-Arte-da-Palha%C3%A7aria-105978891823107

Link de Página da Companhia “Milongas Sentimentais” de Teatro Popular:

https://www.facebook.com/Milongas-Sentimentais-Teatro-Popular-173882529422531