"Você resgata um tipo de trato
brincalhão e carinhoso que as pessoas foram perdendo com o tempo. Hoje, elas
ficam ou brigando umas com as outras por causa de política ou então, cada uma
na sua, na frente da tela do smartfone”. Essas foram às palavras de um senhor
de classe média, logo apos assistir minha performance espontânea, na frente do
“Boteco” do Djalma, em Campos do Jordão, uma semana depois das últimas eleições
presidenciais. Essa apresentação foi bem especial e contou com a trilha sonora
dos meus amigos Elayne e Matheus que estavam executando o som ao vivo dentro do
boteco e com os quais sempre acabo tocando pandeiro, acompanhando o seu
repertório de forró.
Como bom “Mímico andarilho”, desde
criança já gostava de sair andando sozinho pelas ruas, atravessando bairros,
descobrindo lugares e pessoas diferentes.
Relato aqui a experiência que tive
nos dias anteriores as eleições, em São José dos Campos, cidade onde eu moro.
No Sábado, na semana anterior das
eleições, fui realizar uma apresentação do meu espetáculo “As Peripécias do
Mímico Andarilho” pelo projeto "Circulacão", da Fundação Cultural
Cassiano Ricardo, na praça Afonso Pena, no centro da cidade. Estava preparado,
como de costume, para incorporar qualquer tipo de imprevisto à história, que
fui adaptando ao longo dos anos. Dessa vez “o fato” foi à segunda manifestação
das mulheres que reivindicavam o "ele não", na época. Entre uma
galerinha de gente jovem estavam alguns amigos meus da minha faixa etária.
O responsável da minha atividade
perante a Fundação pediu para me afastar do grupo e ficar interagindo
livremente com as pessoas, como o faço quando vou espontaneamente para as ruas,
num outro canto da praça, onde acontece uma feira de artesanato, já que não podia
ser associada à manifestação à instituição. Os artesãos adoraram a Idéia.
Eu pude observar o grupo de manifestantes ao longe, do lado de fora.
Vi cinco bandeiras vermelhas que
vieram envolver o grupo. Ouvi deles um tipo de discurso antigo, panfletário.
Senti a rejeição dos populares que passavam pelo local em apoio ao outro
candidato. Para mim ficou bem claro, apesar de não concordar nenhum pouco com
as opiniões e as propostas do novo presidente, que a solução não está no
confronto e sim no dialogo.
No Sábado posterior, um dia antes
das eleições, rolou uma manifestação da mesma natureza numa outra praça do
centro chamada "Do Sapo", esta, organizada por jovens militantes de
esquerda junto aos artistas locais e, da qual, fui convidado a atuar como
representante dos artistas de rua da cidade.
Cheguei no local na hora marcada e
vi alguns grupos partidários. A cor tinha mudado do vermelho para o roxo, mas,
eu senti o mesmo tom "abanderado" da outra vez. Quando o discurso
passa a ser dogmático até a cor verde e amarela perde o sentido.
Vendo tudo aquilo, dei meia volta
em sinal de retirada, mas, acabei voltando para praça.
Estacionei minha bicicleta do lado
da fonte onde quatro sapos ficam cuspindo água pela boca, me caracterizei ai mesmo na frente do público e hasteei
minha bandeira Branca da paz e do dialogo, amarrando-a ao guidão da
magrela.
Percebi que o grupo de
manifestantes era bem heterogêneo, inclusive, havendo várias famílias no
encontro. Interagi no meio da moçada como o faço de costume na rua. Com
movimentos rápidos fiz de conta que ia mergulhar na fonte dos Sapos. Depois
peguei a garrafinha da bicicleta e brinquei, jogando pingos de água nas pessoas
em volta. Uma menininha de dois anos de idade aceitou minha água para beber e a
gente descobriu que ela estava realmente com sede; a toda hora vinha pedir
mais água. Peguei meu mini banquinho na bike e fui sentar do lado da galera que
assistia ao show de rock que rolava num palco improvisado. Depois levantei e
fui para o outro lado da fonte. Apareceu um menino de uns sete anos de idade que
me fez correr várias vezes detrás dele pela praça toda até juntos cansarmos e
perdermos o medo. Na seqüência apresentei um número de mímica interativo onde
as pessoas pulavam uma corda imaginária ao som de rock. No fim toquei chorinhos
na minha flauta transversal para os vários grupos espalhados no local.
Voltei para casa vestindo o
personagem, pedalando minha bicicleta por ruas e avenidas, atravessando
bairros. A trilha sonora do percurso, executada desde minha caixinha de som
pressa à cintura, foi do maravilhoso jazz chapliniano do músico belga Django
Reinhardt.
Empolgados, os transeuntes
partidários do atual presidente eleito, gritavam palavras de ordem para mim,
mas, sem a mínima agressão, já que tratava-se da figura de um palhaço de bandeira branca.
"Chegando em casa". Foto tirada de um celular por Karol Reis |